Amizade

" ... Sou como você me vê ...Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar ... '' Clarice Lispector

E de repente a amizade é isto, é abrir os olhos e enxergar de verdade alguém que você apenas viu durante semanas, meses, talvez anos. Vocês se olharam, viram, mas, até então, não haviam se enxergado de fato. E depois de uma empatia inicial, de um trabalho feito em grupo, de uma mesa de bar dividida, de algumas caronas compartilhadas, de conversas superficiais iniciadas no ponto de ônibus, numa festa de calouros, na fila do refeitório ou no banheiro, seu colega começa a ser mais presente. Trocam telefones, experiências, opiniões, falam sobre família, relacionamentos...e então você começa a vê-lo por um novo ângulo, aquele que revela.

Seu "colega" tem um passado, tem medos como você, tem fracassos e pequenas vitórias, teve decepções, alegrias, dor de dente, foi ao circo pela primeira vez com oito anos, teve pneumonia, teve uma apendicite e ficou internado quase 2 meses, seus pais acabam de se separar, mas os de seu "colega" são separados há quase 10 anos (e por isso entende o que você está passando), vocês descobrem que não estam satisfeitos com a república que moram e planejam dividir um apartamento. Sua colega, aparentemente, tímida foi "rainha" de alguma festa agropecuária, é fã de uma banda desconhecida para você, passa as férias em Porto Seguro, o carnaval em Diamantina e nos finais de semana almoça com os avós, fala expressões que você não conhece, viu todos os filmes que você já assistiu e conhece muitos outros que você nunca viu na locadora. E isso tudo faz com que aquela figura tão distante, tão desconhecida comece a dividir o pacote de biscoito com você, chame para você dormir na casa dela, que é mais perto de onde vocês irão se encontrar com a turma, ofereça a pasta de dente depois do almoço, ofereça uma ajuda no exercício daquela máteria que você não entendeu nada, ofereça um ombro amigo, ouvidos e consolo nos momentos difíceis...

Então a revelação acontece, aquele seu colega de outrora torna-se seu amigo. Você agora enxerga-o por completo. A figura se humanizou e você conhece seus defeitos (e respeita-o mesmo assim), seus segredos e as suas inúmeras qualidades.

Quando acontece a despedida, porque é inevitável que ele procure outros caminhos (pois você já aprendeu que não são "iguais"), é doloroso. A saudade aperta nos momentos mais inesperados, quando recebe um e-mail com notícias, ouve uma música que ele gosta ou odeia, revê a alegria habitual compartilhada com ele materializada em fotos, bilhetes trocados...lembranças que confirmam essa aproximação.

E foi porque você se abriu, compartilhou, foi solidário com sua dor e repreendeu-o quando foi injusto ou fraco, você teve a revelação que muitos nunca terão, seu amigo é um ser humano maravilhoso e a distância geográfica nunca abalará seus sentimentos por ele. Às vezes ventania, às vezes brisa leve...só é assim porque você o enxerga por completo.

Para todas as "Marias" de plantão, perto ou longe, mas sempre presentes. O "Balangando Beiço" também é emoção...

Beijos e bom final de semana!